Um dia




De vez em quando, a eira e a beira se perdem, os caminhos ficam um pouco confusos, as costas doem, coisas estranhas acontecem. Mas é assim também, do nada, que coisas boas acontecem. Como quando subindo de um mergulho no mar, você abre os olhos e se sente simplesmente feliz. Ou quando cortam a água da sua casa, você pega sua bolsa vermelha de bolinhas, enche a necessaire com creminhos cheirosos e vai tomar banho em outro chuveiro. Chegando lá, o chuveiro é tão gostoso. E ai, bom, dá vontade de que cortem a água todos os dias na sua casa. Tudo isso para dizer que algum dia desses abri o blog da amiga Nana, uma amiga sumida, mas que, por meio do blog dela, deixa a gente compartihar um pouquinho da vida com ela. E ai tava essa poesia da Célia Musilli, que eu não conhecia, mas que também tem um blog muito legal. Li a primeira vez e já quis saber quem era essa que conseguia, de maneira aparentemente tão fácil e espontânea, dizer tudo que tenho pensado sobre a vida. Ou que pelo menos tento, mesmo quando a eira e a beira pedem recesso. 


Quase uma oração

"Um dia a gente acorda e percebe que mudou, depois de levar muita porrada e ter os ossos moídos junto aos sonhos.
Um dia a gente acorda e percebe que nem toda mudança precisa ser amarga,
embora o que nos mova quase sempre seja a dor, esta parceira do imprevisto.
Um dia a gente acorda e descobre do lado do avesso um espaço zen, uma espécie de paz interior que nos adula e acaricia,
como se a mãe voltasse a nos pegar no colo.
Neste dia, inexplicavelmente,
decidimos que o melhor a fazer
numa manhã é plantar um girassol
só para ver, dali a um tempo,
sem angústia, dilema ou rejeição,
que a vida dança a dança dos dervixes...
e que a nossa entrega à vida
é um ritual sem hoje nem amanhã.
A felicidade pode ser o ato de movimentar -se
como os girassóis, para lá e para cá,
só pra ver onde começa e onde termina o dia...
sem pressa.
Os acontecimentos não nos pertencem."

Célia Musilli

A Human Being That Was Given to Fly

dias que ficam na memória: 3/12/2005, Pacaembú

This Is The End

Sanfoneando



Milagre em Santa Luzia, documentário sobre a sanfona em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro e Santos, me lembrou O Ultimo Bandoneon em vários momentos.

Isso é mérito mais da pesquisa do que propriamente do filme. As melhores partes do filme são as entrevistas com os mestres populares da música brasileira. Gente como Arlindo dos 8 Baixos, Camarão, o hilário Pinto do Acordeon. Arlindo teve diabetes e ficou cego, mas continua tocando e componto lindamente. Todo domingo, faz um forró em sua casa, no Recife. O Forró de Arlindo recebe sempre convidados, tornando-se um lugar onde qualquer um pode presenciar o que de melhor tem a musica brasileira.

O filme então sai do nordeste e viaja pelo Pantanal, Rio Grande do Sul até chegar a São Paulo, as duas São Paulo: a caipira e a contemporânea. Conheci músicos que nunca tinha ouvido falar, ritmos como o varejão, ode a tradição sulista, o chamamé dos pantaneiros, a mistura de Quartcheto, o universal de Toninho Ferragutti.

Fiquei pensando em como o Brasil (e a expressão humana, de modo geral) é emocionante. Como um mesmo instrumento, e que instrumento, consegue produzir efeitos tão adversos em uma musica, dependendo do estado de espírito, e do estado geográfico.

No nordeste, o baião e o forro, de seu Luis Gonzaga, podem ora ser tristes, melancólicos (Triste Partida, poema de Patativa do Assaré musicado por Luis Gonzaga, já traz no nome o adjetivo. No filme, Dominguinhos chora ao tocar a musica e lembrar de sua própria partida, com a família em um pau de arara em direção ao Rio de Janeiro). Mas o forró pode ser também uma alegre celebração da vida.

Vale a pena ver Milagre por vários motivos: A declaração de amor dos músicos à sanfona. De várias maneiras, de Sivuca a Arlindo dos 8 baixos. Ou do gaúcho Bagre Fagundes que diz que um homem é apenas um homem, até pegar no acordeom, uma vez com o instrumento no solo, ele cresce, imponente, como o som que sai deste que se assemelha ao pulmão, enchendo e esvaziando o ar, conforme a musica sai, as vezes melancólica, por vezes ensolarada, alegre, celebrativa, contemplativa. Para todos os momentos da vida.

No site do filme tem uma pequena sinopse dos músicos: www.milagredesantaluzia.com.br