I'm here to recruit you

Mural feito por John Baden com a frase dita por Harvey Milk antes de morrer: "If ever a bullet should enter my brain, let the bullet destroy every closet door". O mural está onde um dia foi a Castro Camera, loja de Milk na Rua Castro,575 em San Francisco


Já ouviu falar em Harvey Milk? Eu também não tinha, até que assisti ao novo filme de Gus Van Sant, Milk- A Voz da Igualdade, que estreia essa sexta-feira (20) . Milk foi o primeiro político assumidamente gay a assumir um cargo político nos EUA, no caso o de supervisor da cidade de São Francisco, representando o condado de Castro.

O filme é uma cinebiografia do ativista, que é interpretado brilhantemente por Sean Penn (que concorre ao Oscar). É um documento histórico, que mistura cenas documentais, com reproduções e uma pitada de drama.


Sean Penn e Milk

Como Elefante, do mesmo diretor, Milk é a história sobre uma morte anunciada. O supervisor Harvey Milk e o prefeito de São Francisco George Moscone foram assassinados pelo também supervisor Dan White dentro da prefeitura da cidade. O roteiro, nomeado para o Oscar, é de Dustin Lance Black, um jovem roteirista e diretor do Texas também homossexual e que se inspirou no documentário The Times of Harvey Milk, de Rob Epstein, vencedor do Oscar de melhor documentário em 1984.

Para quem, como eu, ficar tocado e totalmente surpreendido pela história de Milk, uma pessoa muito bacana colocou no You Tube o documentário inteiro, The Times of Harvey Milk, dividido em dez partes. Nele é possível saber com muito mais detalhes a vida de Milk, e inclusive ver o quanto roteirista e diretor se inspiraram no filme, utilizando ou reproduzindo cenas nele presentes. No doc também dá para ter mais certeza de como Sean Penn ficou parecido com Milk, tanto fisicamente quanto nos trejeitos.

O filme de Gus Van Sant começa com Harvey gravando seu depoimento para ser ouvido "only in the event of my death by assassination". Constantemente ameaçado, Milk sabia que isso acabaria acontecendo.


Apesar de triste, saí otimista do filme, principalmente porque Milk pregava sempre em seus discursos a esperança. Em um deles ele diz:

"The only thing they have to look forward to is hope. And you have to give them hope. Hope for a better world, hope for a better tomorrow, hope for a better place to come to if the pressures at home are too great. Hope that all will be all right. Without hope, not only gays, but the blacks, the seniors, the handicapped, the us'es, the us'es will give up."

Mas, quando cheguei no trabalho, abri um email da minha tia, que mora em Oackland, ao lado de San Francisco, sobre a Preposição 8. A Prep 8, se for aprovada, vai forçar o divórcio de 18 mil homossexuais que se casaram na California ano passado, entre eles, o das minhas amadas tias Monica e Yvania. O Supremo vai ouvir argumentos orais no dia 5 de Março e espera-se uma decisão nos próximos 90 dias.
Pelo jeito não avançamos muito, não é mesmo?
Veja aqui a campanha anti-prep 8, dando rosto aos casais

"Fidelity": Don't Divorce... from Courage Campaign on Vimeo.

O video mostra a cara de centenas de pessoas que se casaram. Meu deus, será que esse maldito Ken Starr e todos os conservadores não se tocam que o que importa é o AMOR!?
Don't divorce them!!!!!

Unknown Legend

O músico britânico Robyn Hitchcock em cena de O Casamento de Rachel


Unknown Legend, by Neil Young

She used to work in a diner
Never saw a woman look finer
I used to order just to watch her float across the floor
She grew up in a small town
Never put her roots down
Daddy always kept movin, so she did too.

Somewhere on a desert highway
She rides a harley-davidson
Her long blonde hair flyin in the wind
Shes been runnin half her life
The chrome and steel she rides
Collidin with the very air she breathes
The air she breathes.
(...)

Tô amando essa música, ainda mais porque ela aparece na trilha sonora de O Casamento de Rachel, um, como disse minha amiga Tulipa Ruiz, world movie, de tanta world music que aparece por lá. E como eu adoro esse negócio chamado world music não consigo parar de escutar a trilha.

O diretor Jonathan Deeme (de O Silêncio dos Inocentes) deu uma especial atenção para a trilha sonora. A musica era tão presente, quem em uma das cenas presentes no filme, Rachel (Rosemarie DeWitt) discute com Kym (Anne Hathaway), sua irmã ex-viciada em drogas e protagonista do filme, enquanto, lá fora, os amigos tocam musica. Numa mistura de vida real com ficção, Anne Hathaway se irrita e pede então para os músicos pararem. E nao é que funciona? Gosto desse clima de improviso e simplicidade num filme que na verdade é bem complexo e te deixa tenso o tempo inteiro, com algumas pitadas de sarcasmo vez em quando.

Os músicos são de fato personagens, a começar pelo marido de Rachel, Sidney, que é interpretado por Tunde Adembipe, vocalista da banda nova iorquina TV On The Radio e que na cerimônia canta a capella para a noiva Unknown Legend, de Neil Young. É de chorar! Como se fosse uma prima sua casando com um cara mega legal e romântico. Também quero! (fora que o casamento era todo em temas indianos, a decoração linda e as roupas das madrinhas e da noiva também)

A world music marca presença: tem reggae, tem samba (tocado pelo brasileiro-que-mora-nos Eua-há-anos Cyro Baptista), tem jazz e até o filho do diretor, Brooklin Deeme, toca guitarra em duas canções. Tem o músico britânico Robyn Hitchcock (o da foto), que eu não conhecia e no filme aparece cantando America e Up To Our Nex, essa última feita especialmente para o filme.

Ouça no site oficial do filme a trilha sonora completa. (Em Media, clique em Soundtrack)

A Grande Indústria


Tô louca pra ler O Grande Filme - Dinheiro e Poder em Hollywood, de Edward Jay Epstein, que saiu ano passado pela Editora Summus.
Uma das frases que me deixou mais curiosa é a seguinte, dita por um executivo do cinema e que eu li no blog do Pedro Alexandre Sanches:

"o 'segredo' para uma cadeia de multiplexes bem-sucedida está naquela porção de sal acrescentada à pipoca."





A pergunta que fica é, e a pilha de livros da estante que ainda não comecei a ler? rssss

Resistir e lutar, sempre

Do brasileiro Luiz Vasconcelos, vencedor da categoria Notícias Gerais no World Press Photo 2009

Rua da Revolução


Só pra não deixar passar, porque as coisas de fato passam.
Há umas duas semanas assisti Revolutionary Road, o retorno de Jack e Rose, ou melhor, de Di Caprio e Kate Winslet trabalhando juntos, coisa que não faziam desde 1997 em Titanic.
O filme é dirigindo pelo marido de Kate, Sam Mendes, o mesmo de Beleza Americana.

Acho que podemos dizer que Foi Apenas um Sonho (tradução do título em português) aprofunda o que Sam Mendes já trazia em Beleza Americana, sobre a sociedade americana - pra mim, a sociedade em geral. Sobre as padronizações e o sufuco de ter que corresponder a expectativas que não são nossas.

Foi Apenas um Sonho é sobre como conciliar a vida em família com desejos e ideais que carregamos. Inspirado em livro de mesmo nome, escrito por Richard Yates em 1961, o filme conta a história do casal April e Frank Wheeler nos EUA da década de 1950.

Eles se conhecem jovens e cheios de ideais. Ela estuda para ser atriz, e ele quer viver a vida com verdade. Corta. A próxima cena que vemos é April se apresentando em uma peça de teatro amadora do bairro onde moram, no subúrbio de Connecticut. Sua atuação é sofrível e ela sabe disso. Enquanto isso, Frank trabalha entediado na mesma empresa em que seu pai trabalhou a vida inteira e da qual ele nunca se orgulhou.

A vida suburbana se apresenta, dois filhos, uma casa grande, com jardim, vizinhos, drinks no final da tarde. Um casal charmoso, do qual todos gostam. Mas April não se conforma com uma vida medíocre e quando percebe que seu sonho de se tornar uma atriz vai ficando cada vez mais longe, busca desesperada uma alternativa. Em busca de algo que motive seu marido, lembra a ele de seu velho sonho de viver em Paris, cidade que havia estado com o exército americano e que jurara retornar um dia. Propõe então que eles vendam tudo, raspem as economias e se mudem todos para a capital francesa.

E assim vivem dias de euforia, sentindo-se especiais e esperançados pela vida que os aguarda. Nesse momento, nos lembramos que estamos na década de 1950. Eis que April fica grávida. Os métodos contraceptivos ainda não eram presentes na vida dos casais. E as mulheres não tinham ainda autonomia sobre seu corpo e destino. Ao mesmo tempo, Frank recebe a proposta de ser promovido na empresa, de ter a chance de fazer uma carreira que seu pai nunca fez.

De um lado, a cultura e as convenções que mudam conforme o tempo. Do outro, o drama universal do jovem que quer romper os padrões. Do limite entre se deixar sonhar ao mesmo tempo em que as responsabilidades e a convenção social pesam a cada dia vivido. Covardia ou sensatez?

O filme mexeu muito comigo, principalmente pela questão universal que traz. Como encontrar o equilíbrio na vida a dois, na busca pelas prioridades da vida? Não é fácil, assim como não é fácil viver.

Lendo as resenhas, vi várias delas dizendo o quanto Frank é machista por desistir de ir a França por conta de um trabalho. Discordo. Discordo também que eles não se amassem. Acho que eles se amavam sim, mas nem sempre isso basta. Enfim, filme bom é aquele que te faz pensar por dias a fio. Esse fez.

Dica: Contardo Calligaris escreveu ótimos questionamentos sobre o filme, sob a perspectiva do homem. Leia aqui.

Um gosto de sol



Arte de Tulipa Ruiz
Amigos.
Os dias têm passado, e o ritmo cada vez mais frenético me lota de lascas de pensamentos que não tenho tempo de desenvolver.
Fico a aguardar aquele momento em que vou poder refletir e então pensar sobre os últimos filmes que vi, coisas que pensei e senti.
Mas tem horas que a vida transborda, e tudo que nos resta é tentar qualquer espécie de comunicação, principalmente para aqueles a quem dedicamos amor, pensamentos e energias. Com quem compartilhamos sonhos e ternuras, torcidas, desejos. A frustração da não convivência acredito ser eterna. Mas talvez esta sensação venha com a possibilidade de valorizar ainda mais os momentos compartilhados. Ainda assim, sempre serei aquela que quer mais. Para mim nunca é demais.

Tudo é possível, tudo é intercambiável. A paciência e a solidão são totalmente necessárias, mas cada vez mais percebo que meu corpo ultrapassa os limites. Enquanto puder, estarei tentando, sempre, absorver o máximo de vocês, de nós, aprofundando as relações e descobrindo-nos a cada dia.

Tenho pedido força todos os dias para manter a coragem e a força. E hoje ouvi novamente ele, o Milton, e seu gosto de sol. O que desejo a mim, a vocês e a todos nós é que a gente nunca esqueça nossos sonhos sobre a mesa. E se esquecermos, que possamos lembrar de recupera-los, porque nunca é tarde para (re)começar. E, claro, os começos, recomeços, e toda a imensidão que nos apresenta todo dia, tudo isso é mais fácil se tivermos com quem compartilhar.
Falo por mim. Sem vocês não tem graça.


Um gosto de sol

(Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)

Alguém que vi de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou os sonhos que eu tinha
E esqueci sobre a mesa
Como uma pêra se esquece
Dormindo numa fruteira
Como adormece o rio
Sonhando na carne da pêra
O sol na sombra se esquece
Dormindo numa cadeira

Alguém sorriu de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou o riso que eu tinha
E esqueci entre os dentes
Como uma pêra se esquece
Sonhando numa fruteira

Lavoro



Trabalho de luto
Relatório da OIT sobre a América Latina e anúncios de demissões nos EUA, na Europa e no Japão apontam para o derretimento dos níveis de emprego em escala global

RICARDO ANTUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Começam a ficar mais claros os contornos e as primeiras consequências da crise que vem liquefazendo o sistema do capital em escala global. O Fórum de Davos (Suíça) "começa com executivos em pânico" (Dinheiro, 28/1).
Lá, onde estão reunidos representantes das "classes verdadeiramente perigosas", os executivos globais contabilizam o que já é incontável e mergulham numa crise de proporções alarmantes.
Enquanto isso, no outro canto do mundo, em Belém, o Fórum Social Mundial ganha uma impulsão extra.
Isso porque ele vem, desde 2001, denunciando a lógica destrutiva dominante. Se ainda não foi capaz de oferecer um projeto societal alternativo e global para o mundo, contrário aos imperativos do capital, muitos de seus partícipes sabem que o capitalismo é o responsável pela (des)sociabilidade vigente e suas mazelas. Esse sistema poderá até ser ainda mais longevo, mas será sempre empurrado no tranco.
Ora definhando o Estado ao mínimo (no que tange à sua dimensão pública), ora tendo surtos intervencionistas, como este que se abateu no governo de George W. Bush e de seus epígonos.
Mas a crise vive um ciclo prolongado, datado do início dos anos 1970.
Começou destroçando os países do Terceiro Mundo. Um a um, Brasil, Argentina, México, Uruguai, Colômbia, para ficarmos somente em alguns exemplos da América Latina, foram mergulhados no estancamento e na recessão, o que fez desmoronar o pouco que esses países construíram no capítulo dos direitos sociais do trabalho.
Mas isso foi só o começo: depois foi a vez, no fim dos anos 1980, de levar à bancarrota o chamado "socialismo real" (União Soviética e o restante do Leste Europeu). Menos do que expressão do "fim do socialismo", esse fato antecipava uma nova etapa da crise do próprio capital.

No olho do furacão
No presente, depois do seu epicentro ter passado pelos principais países capitalistas (Japão, Alemanha, Inglaterra e França), chegou ao coração do sistema: os EUA estão agora no olho do furacão.
E, com isso, uma vez mais se acentua o caráter pendular do trabalho.
Nos países que vivenciaram traços do Estado de Bem-Estar Social, especialmente na Europa social-democrá tica, o dilema se colocou (ainda que sem tocar na raiz do problema) entre trabalhar menos e viver as benesses do ócio, curtindo o "tempo livre" (vale a indagação: será mesmo tempo livre, sem aspas?).
Trabalhar menos, para todos viverem uma vida melhor, tornou-se consigna forte.
Mas na América Latina (e o mesmo vale para a Ásia e a África) a dilemática tem uma profundidade ainda maior.
Neste verdadeiro continente do labor, o pêndulo é ainda mais ingrato em seus dois polos opostos: ele oscila entre trabalhar ou não trabalhar; entre encontrar labor ou soçobrar no desemprego.
Mais precisamente, entre sobreviver ou experimentar a barbárie, pois o Estado de Bem-Estar Social sempre andou muito longe daqui.

Migalhas
No meio do caminho, uma massa monumental de assalariados vivenciando uma precarização estrutural do trabalho em escala continental. Crianças, negros, índios, homens e mulheres trabalhando no fio da navalha.
Conforme recordou Mike Davis, em seu "Planeta Favela" [ed. Boitempo], "não é raro encontrar [na América Central] empregadas domésticas de sete ou oito anos com jornadas semanais de 90 horas e um dia de folga por mês" ("Child Domestics", Domésticas Infantis, relatório da Human Rights Watch de 10/6/2004).
Com a crise, o quadro se agrava: no recentíssimo "Panorama Laboral para América Latina e Caribe - 2008" (Organização Internacional do Trabalho, 27/1), o cenário social apresentado é de tal gravidade que beira a devastação.
Se o desemprego diminuiu nos últimos cinco anos, o relatório da OIT antecipa que, "devido à crise, até 2,4 milhões de pessoas poderão entrar nas filas do desemprego regional em 2009", somando-se aos quase 16 milhões já desempregados (sem falar no "desemprego oculto", nem sempre captado pelas estatísticas oficiais).
Ou seja, o que se conquistou em migalhas, a crise derreteu no último trimestre de 2008.
Se, no centro do sistema, têm-se as maiores taxas de desemprego das últimas décadas, no continente latino-americano esse quadro se agudiza.
Na maioria dos países houve retração salarial; as mulheres trabalhadoras têm sido mais afetadas, com taxa de desemprego 1,6 vez maior que os homens, e o desemprego juvenil, em 2008, em nove países, foi 2,2 vezes maior do que a taxa de desemprego total. A informalidade, que era exceção no passado, torna-se a regra.

Flexibilidade
No Brasil, a "marolinha" já desempregou milhares de trabalhadores na indústria, nos serviços e na agroindústria (atingindo até o etanol do trabalho semiescravo) .
O país, que o governo Lula afirmou ter uma economia estável e refratária à crise, está vendo a cada dia a corrosão dos níveis de emprego. O empresariado pressiona mais uma vez para aumentar a "flexibilidade" da legislação trabalhista, com a falácia de que assim se preservam empregos.
Nos EUA, na Inglaterra, na Espanha e na Argentina, entre tantos outros exemplos, flexibilizou- se muito. Fica a indagação: por que então o desemprego vem se ampliando tanto nesses países?
Para concluir, vale adicionar mais uma contradição vital em que o mundo mergulhou, quando o olhar vai além do cenário televisivo oferecido pelo contagiante "big brother" global: quando se reduzem as taxas de emprego, aumentam os níveis de degradação e barbárie em amplitude global.
Se, em contrapartida, o mundo produtivo retomar os níveis altos de crescimento, esquentando a produção e seu modo de vida fundado na superfluidade e no desperdício, aquecerá ainda mais o universo, o que é mais um passo certo para uma outra tragédia já bastante anunciada.

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RICARDO ANTUNES é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Adeus ao Trabalho?" (Cortez).