Coração Vagabundo


Aproveitando para tirar pó dos textos antigos... Coração Vagabundo, filme sobre Caetano Veloso só conseguiu estrear agora, mas em 11/06/2008, na Revista de Cinema, escrevi sobre ele o seguinte texto. Hoje em dia acrescentaria coisas, mudaria, mas resolvi deixar o original. O que mais falta, na minha opinião, é uma crítica mais concreta ao filme. Com tanto material na mão, o diretor, com certeza por imaturidade, poderia ter feito muito mais. A participação de Antonioni, por exemplo, se resume a uma palavra!

Por Georgia Nicolau

No disco “Araçá Azul”, de 1972, Caetano Veloso cantou Julia na canção “Julia, Moreno”, sua filha que nasceria cinco anos depois, mas que sobreviveria apenas alguns dias. É ao lado dela e do pai em Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal, que Caetano quer ser enterrado.

Normalmente discreto sobre a vida pessoal, essa e outras confissões Caetano mostra no documentário “Coração Vagabundo”, que tem estréia no circuito comercial prevista para o segundo semestre. O filme é a primeira produção da agência publicitária Cine, fundada pelo diretor Clovis Mello e o produtor Raul Doria e que há tempos tem vontade de entrar no restrito meio do cinema no País.

O responsável pelo registro e pelo primeiro filme da Cine é o diretor paulistano Fernando Grostein Andrade, que na época das filmagens tinha apenas 23 anos. Num misto de sorte e cara de pau, Andrade, publicitário da Cine, conseguiu estrear no cinema acompanhando nada menos do que um dos maiores ícones da música popular brasileira, em turnê internacional de lançamento do disco “Foreign Sound”, em 2004.

Tudo começou com um convite da então mulher de Caetano e ainda hoje sua empresária, Paula Lavigne, para que Andrade dirigisse um DVD musical de lançamento de “Foreign” no Baretto, em São Paulo. De lá, saíram cenas descontraídas do músico como ele fazendo a barba pelado no banheiro, com Paula perguntando, “ele não é lindo?”, ou fazendo piada com o termo Pocket Show.

O diretor resolveu acompanhar o músico por Nova York e Japão para fazer um making of. Ainda sem a idéia de transformar o material em filme, seguiu o compositor pelas ruas da metrópole americana, fazendo perguntas espontâneas. “Fui o seguindo com uma câmera digital. Acho que deixei à vontade, fiz algumas perguntas, mas procurei deixar o silêncio.”

Em determinado momento, Andrade pergunta por que, apesar de todo o sucesso, temporada de shows no disputado Carnegie Hall, críticas elogiosas no “The New York Times”, Caetano não parecia estar se sentindo à vontade. “Eu saí de Santo Amaro com 18 anos de idade. Não sou uma pessoa de São Paulo, que já nasce achando que está no mundo", respondeu o músico.
A resposta representou, para o diretor, o começo do filme. Jovem, rico e paulistano, Andrade se surpreendeu com a frase. Viu ali um mito se esvaindo e percebeu que tinha um grande material nas mãos. Acompanhava uma turnê internacional, de um disco de canções americanas, interpretadas por um músico brasileiro festejado dentro e fora do seu País. E que apesar de tudo, conservava ainda sua identificação com o menino do interior da Bahia.

Sem a pretensão de explicar Caetano ou contar sua biografia de forma didática e linear, Andrade resolveu então fazer um filme sobre o baiano universal. Além de filmá-lo em temporada no Carnegie Hall em Nova York, e depois por mais três cidades do Japão, entrevistou o músico David Byrne e os cineastas Pedro Almodóvar e Michelangelo Antonioni.

Para conectar as cidades, a câmera viajou por trilhos de trens e metrôs japoneses. “Quis mostrar diferentes culturas, os japoneses dormindo no metrô. Foi a solução que encontrei para unir as três cidades japonesas e o Caetano de uma forma lírica.”

Em certo momento, um monge budista de um templo que a equipe visitava se aproxima de Caetano e confessa ser fã da música “Coração Vagabundo”. Desconcertado, o artista explica que fez a música quando era muito jovem. Assim nasceu o nome do longa.
Foi só depois de tudo filmado que Andrade contou ao seu personagem que pretendia fazer um filme sobre ele. Receoso no começo, após assistir algumas cenas, Caetano acabou dando carta branca.

Hoje com 27 anos, Fernando admite que em seus próximos filmes, projetos que ele ainda não revela, vai buscar uma organização melhor. “Não sei se hoje eu teria entrado na loucura que eu entrei, o processo foi todo ao contrario. Fiz o filme sem dinheiro, muito levado pela empolgação, ansiedade do momento.” Só depois, com ajuda de Lavigne e de Raul Doria, da Cine, conseguiu uma co-produção com a Teleimage e o patrocínio de um banco.