Here, there, everywhere


As vezes a gente se pega tentando planejar a vida. Falta alguma coisa, mas a coisa sempre vai faltar. Poderia fazer isso, mas aquilo também se encaixaria entre as várias possibilidades.
De repente cai no seu colo.
E você meio que decide ir. Tá bom, sei lá, eu vou.
Mal não vai fazer.

Desde então, as coisas parecem estar em outra dimensão.
"Como você tá?!"
Ah, eu tô.
Eu tô.
Eu tô por aqui.
"Mas, o que você tem feito?"
Ah, eu tenho feito.

Para mim essa experiência tem sido assim. Sendo. Tudo muito surreal. Como se fosse, mas não fosse.
De repente você se vê "invadindo" a turma alheia. Num aniversário de um amigo que não é seu, com uma turma que não é sua, numa cidade que não é sua.
Mas você se sente bem. Não gostaria de estar em qualquer outro lugar que não aquele.
Se pega admirando a amizade alheia. Como se dão os laços afetivos, as demonstrações de amor.
Um vai batizar sua filha amanhã. A outra fabrica penduricalhos de cabelo com as sedas que a vó deixou de herança e gosta de pintar as unhas de verde, azul, preto. A outra morou um ano em new york, mas voltou pra ficar com o namorado de quatro anos que ela conheceu num show do Jorge Ben.
E ai você se lembra como e o quanto as pessoas podem ser admiráveis. Como é apaixonante observar os caminhos que a vida toma, muitas vezes involuntariamente, mas com aquele pinguinho de empurrão que você dá, mesmo sem saber que tinha dado.
Tô feliz pra caralho. Satisfeita.
Estou aonde deveria estar, seja lá o que isso significa.

entrelinhas


Juro que buscava não pensar no momento em que vivia, e mergulhar na história de amor de André Gorz e sua Dorine. No conto de fadas da vida real, que como já disse (e provou em seus filmes!) E.Coutinho, pode ser mil vezes mais interessante que a ficção, duas pessoas são sim capazes de serem casadas por 60 anos e ainda assim se amarem e se desejarem tanto, que "nós desejaríamos não sobreviver um à morte do outro. Dissemo-nos sempre, por impossível que seja, que, se tívessemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos."

E enquanto me envolvia na história de um amor, lendo "Carta a D.", que Gorz escreveu a ela já no fim da vida, me deparei com uma digressão do intelectual francês sobre si próprio que encaixou-se mais que perfeitamente em mim.

" a vontade de não ser Nada se confunde com a de ser Tudo. É preciso aceitar ser finito: estar aqui e em nenhum outro lugar, agora e não sempre ou nunca [...]; ter apenas esta vida."


Tão simples de ler, mas dificil de viver! Ainda mais para quem, como eu, nasceu apostando corrida com a vida, sempre preocupada em absorver tudo e um pouco mais...tirar o pé do acelerador é mais que necessário, e parece que só mesmo um dia após o outro.

OBS: Carta a D. foi escrito por Gorz um ano antes de ambos cometerem suícidio. Romeu e Julieta? Vida real.

O livro, traduzido para o português, é da Cosac: http://www.cosacnaify.com.br/noticias/extra/gorz/