na escola


Entre os Muros da Escola é um dos melhores filmes que vi ultimamente. Um filme humanista, instigante e extremamente pertinente. Segue texto que escrevi para o Bom de Humor.

O ato de ir ao cinema pode exercer vários efeitos no espectador. Pode-se fugir da realidade, adentrando mundos mágicos, fantásticos, animados. Outra função pode ser a de fazer refletir. Assistir a situações fictícias que nos colocam em dilemas que talvez nunca fossem vivenciados. Outra possibilidade é a de familiarizar-se com realidades distantes. Culturas, países, modos de agir, pensar e de se relacionar, problemas locais que nos geram identificações ou estranhamentos. Normalmente, os documentários costumam exercer essa ultima função. É por isso que Entre os Muros da Escola, o vencedor do festival de Cannes do ano passado, e que estréia essa semana nas principais cidades brasileiras, é uma ficção bastante documental.

Primeiro porque é baseado em um livro autobiográfico que leva o mesmo nome do filme e foi escrito pelo professor francês François Bégaudeau. No filme, François interpreta o professor François Marin, uma versão ficcional de si mesmo. Foi ele também quem ajudou o diretor Laurent Cantet e o co-roteirista, Robin Campillo a adaptar o livro para a grande tela.

A única cena que se passa fora da escola é o inicio do filme, que mostra François caminhando em direção ao primeiro dia de aula do ano. O cenário é a Escola Françoise Dolto Junior, no 20º arrondissement (bairro da periferia de Paris). Todos os adolescentes que compõe a sala de aula do professor de francês vieram junto com o cenário. São alunos da própria escola, que foram escolhidos em oficinas de interpretação durante o ano letivo. Os professores, a parte administrativa e até mesmo os pais das crianças são também pessoas reais interpretando pedaços fictícios de si mesmo.

Os adolescentes são chineses, malineses, marroquinos, antilhanos. O retrato da França contemporânea, que colhe os frutos do colonialismo passado. Alguns desejam ser franceses, outros não se identificam com essa tal nação. Não desejam aquela identidade. “Porque você sempre coloca nomes franceses nos exemplos da sala?”, questionam ao professor, afinal, eles são Wei, Nassim, Souleymane, Khoumba, Esmeralda.

Sem um roteiro na mão, os atores-alunos foram instigados a viver situações reais, algumas pré-roteirizadas, outras improvisadas. Com três câmeras de alta definição postadas dentro da sala de aula, Cantet consegue envolver o espectador nos diálogos e discussões típicas de uma classe do ensino médio. Uma autoridade versus 25 adolescentes de 13, 14 e 15 anos. Cantent nos mostra um microcosmos que reflete o mundo externo, onde questões complexas e incômodas são resolvidas por vezes com humor, outras de maneira tensa e aflitiva.

François é um professor em busca da autoridade, mas sempre tentando relativizar seus julgamentos. Às vezes parece não saber que caminho tomar, pois sua vontade é mesmo de ser visto por seus alunos como um deles. Ele critica, provoca, corrige, instiga. Não tem medo. E os alunos reagem, às vezes com respeito, às vezes desafiando-o. Sempre vivos, ainda que aparentemente egoístas. François sabe que seus alunos ainda não perderam o dom de surpreender. Ele tenta se impor, e claro, cria seus conceitos sobre cada aluno. Mas quando uma das alunas, a insolente Esmeralda diz que ela lê A Republica, de Platão, ele a faz discorrer sobre o livro.

A linguagem tem papel importante e desencadeia o clímax do filme. Em um momento de raiva, o professor diz que duas de suas alunas se comportaram como duas “pétasse”, vagabundas. Uma verdadeira rebelião começa na sala de aula, que culmina com a saída agressiva e espontânea do malinês Souleymane, o aluno-problema.

Souleymane protagoniza uma das cenas mais dramáticas do filme. É julgado pelo Conselho Disciplinar, que tem que decidir se ele vai ou não ser expulso da escola. Mesmo sabendo que isso pode acarretar sua volta ao país de origem, devido a ira de seu pai.

Entre os Muros da Escola é com certeza um filme essencial para os que exercem o ofício de ensinar. Questões como autoridade, punição e liberdade são colocadas em xeque o tempo inteiro. Mas é também um filme sobre uma nova França, um novo “primeiro mundo” que emerge, onde as identidades nacionais já não existem como certezas. Novas formas de convivência, dialogo e união estão (re)aparecendo. Mais que isso, o valor do filme é o de trazer a tona tantas discussões, sem recorrer ao professor bonzinho, o Mestre, o aluno vagabundo (e só vagabundo). Sem escolher lados, o filme dá ouvidos a juventude e sem dizer qual caminho tomar, deixa ao espectador a tarefa de digerir a experiência vivenciada.

0 comentários: