Cultura Política x Política Cultural


Texto para o site Cultura e Mercado (http://www.culturaemercado.com.br/)



Por Georgia Nicolau
geonicolau@yahoo.com



Fazia frio em São Paulo na quinta-feira, dia 18 de setembro. Ainda assim, na Al. Nothman, centro da Cidade, o andar de cima do Instituto Pensarte ficou quase sem cadeiras. Algumas 30 pessoas ou mais estavam lá para debater a cultura política e a política cultural. O sofá da direita foi ocupado pelo jornalista, ex-assessor do Ministro da Cultura Gilberto Gil e hoje diretor colegiado da Ancine, Sérgio Sá Leitão. Para debater com ele, Fábio Maciel, advogado, professor de Ensino Superior e candidato a vereador por São Paulo pelo PC do B. Na mediação, o advogado especializado em cultura e esportes Fábio Cesnik, um dos fundadores do Instituto Pensarte. Leia abaixo algumas questões levantadas no debate.

Teoria e Prática

Sérgio Sá Leitão iniciou o debate tocando em uma das mais polêmicas questões no âmbito da política cultural, as leis de incentivo fiscal. Criticando o protagonismo dos instrumentos de fomento, que se tornaram em si políticas culturais, quando deveriam ser apenas instrumentos, para o diretor da Ancine, grande parte dos problemas advindos da Lei Rouanet e outras leis similares, se deve ao fato de que são instrumentos sem política e portanto acabam sendo ineficientes e pouco abrangentes. “Aprendi que muitas vezes a inexistência de uma política, é, em si, uma política.”

Para Sá Leitão, a gestão de Francisco Weffort como Ministro da Cultura dos anos FHC foi marcada pela omissão do Estado na definição de critérios e processos de avaliação. “Já Gilberto Gil, desde o início da sua gestão se colocou o desafio de fazer o Plano Nacional da Cultura, a constituir câmeras setoriais, a debater uma política de direitos autorais, por meio de seminários itinerantes”. Ainda assim, o ex-assessor de Gil acredita que não chegamos, ainda, em um momento de amadurecimento das políticas culturais.

Para exemplificar tal imaturidade basta comparar a cultura com outras áreas tidas como constituintes do bem-estar social, como a saúde, educação e as políticas urbanas. Todo o desenvolvimento urbano de uma cidade se dá por meio de um plano diretor. “Por que não um plano diretor para a cultura? E, mais importante ainda, uma lei geral que fosse institucionalizada e independesse de governo”, questiona o jornalista.

Com a lei geral da cultura, haveria uma sincronicidade maior entre as ações municipais, estaduais e federais, evitando situações como a secretaria municipal da cultura de São Paulo, que oferece um edital para realização de longas-metragens. Com uma produção de 82 filmes no ano passado, o problema do cinema nacional não é a produção, mas a distribuição e exibição dos filmes. Ou seja, ao invés de um edital para produzir mais filmes, é preciso trabalhar de outras formas o cinema desviando o foco da produção para o consumo. Construindo cineclubes pela cidade, por exemplo. Outra solução é o vale-cultura, promessa antiga do presidente Lula. Por conta da demora, a Ancine planeja fazer o vale-audiovisual, aproveitando sua autonomia em relação à burocracia estatal.


Culturas locais

Fábio Maciel iniciou sua fala associando cultura, cidadania e generosidade. Para o advogado cultura política e política cultural possuem uma relação dialética, sendo que uma depende da outra para sobreviver. Entre suas propostas para a Cidade está a valorização da escola como epicentro da diversidade cultural local. Como exemplo, utilizou frase profeciada pelo multiartista Jorge Mautner: “Ou o mundo se brasilifica ou se torna nazista”. Maciel, que ao lado de Fábio Cesnik foi produtor de Mautner, citou o músico para ilustrar a diversidade cultural brasileira.

Mais tarde, essa questão foi questionada por um dos presentes no debate que alertou para a estereotipação dos moradores da periferia, que para alguns só gosta de hip-hop, grafite e nada mais. Como resposta, Sá Leitão contou o caso do Congo do Espírito Santo, expressão tradicional e exclusiva da região que de marginalizada tornou-se única política cultural do Estado, obrigando músicos de outros ritmos a procurarem outros meios que não os incentivos locais.

Público e privado

Para Maciel, “existe um patrimonalismo na relação entre o público e o privado no Brasil, sendo que o que deveria ser público fica voltado para atender aos interesses privados de uma minoria.” Mas, otimista, ele defende que o que é histórico-cultural é passível de ser mudado.

E como patrimonalismo e clientelismo caminham lado a lado, Cesnik provocou os debatedores a comentarem uma questão pouco falada nas conversas culturais, que é a postura clientelista da classe artística em relação ao Estado, ou melhor, o Estado-balcão.

Sergio Sá Leitão recorreu ao reduzido histórico das políticas culturais no País –o Ministério da Cultura brasileiro tem apenas 23 anos – e afirmou que desde seu início estas foram destinadas aos artistas e produtores culturais. “O grande desafio que temos no Brasil hoje é o da radicalização e ampliação do grau de acesso aos meios de produção cultural.”

Cultura e desenvolvimento

A exemplo do que prega o SESC, Sá Leitão tocou em questão central, que é a relação direta entre cultura e desenvolvimento. “Sabe-se do impacto que a fruição artística tem no desenvolvimento pessoal. O desenvolvimento cultural de uma sociedade, que passa pelo seu grau de acesso, tem a ver com a dimensão coletiva e diz respeito ao desenvolvimento conjunto da sociedade.”

Desenvolvimento este que pode ser também econômico. Afinal, na divisão do trabalho da cultura, o capital humano é imprescindível e dificilmente será substituído por máquinas. “A origem de um conteúdo cultural é a imaginação. O conteúdo e a transformação deste geram adição de valor agregado, valor este que é gerador de renda.”

O exemplo do cinema talvez seja o mais significativo, já que para a produção de um longa-metragem necessário o trabalho coletivo de cerca de 400 pessoas.

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